Como entrevistas com conteúdo que realmente valem a pena estão cada vez mais escassas, colo aqui a que o IG fez com um dos maiores chefs do mundo.
No Brasil para oficializar a abertura da unidade de gastronomia e hotelaria da universidade Estácio de Sá, na Chácara Flora, em São Paulo, com a qual tem parceria, o chef francês Alain Ducasse falou sobre a formação de jovens cozinheiros e ofuturo da culinária.
Confira detalhes da passagem do chef por São Paulo: O monumento Alain Ducasse
iG: Por que o senhor escolheu o Brasil para abrir uma filial da escola Alain Ducasse Formation (ADF)?
Alain Ducasse: O Brasil terá o melhor desenvolvimento da América do Sul e eu queria estar aqui para acompanhar essa evolução. O País tem uma natureza generosa, que proporciona uma riqueza enorme de produtos para trabalhar a alta cozinha.
iG: Investir em escolas de cozinha seria uma forma também de garantir profissionais gabaritados para seus restaurantes no mundo?
Ducasse: Reconheço que a única forma de expandir o empreendimento de restaurantes é garantir uma boa formação profissional. Porque, além do talento e da paixão, é importante que o cozinheiro aprenda o rigor, a repetição do gesto até a perfeição e as bases culinárias. Não tenho ambição de que esses jovens saiam chefs da universidade, mas terão a base necessária para começar na cozinha, que não tem fronteira, nem nacionalidade. Por outro lado, a educação é um setor mais nobre do que o negócio de restaurante.
iG: Como se expressa a filosofia dos chefs da ADF em outros países. A cultura gastronômica local é inserida no ensino?
Ducasse: Queremos que esses jovens cozinheiros brasileiros expressem a natureza fantástica de seu País, interagindo com o produto da região. Nós trazemos nosso “savoir faire”, ou seja, nossas bases técnicas da cozinha, globalizando-as nesse sentido. Sou a favor da biodiversidade e contra a globalização dos ingredientes. Em todos os restaurantes que tenho no mundo uso 95% de produtos locais.
iG: A moda agora é falar em sustentabilidade e alimentos orgânicos, o senhor adere a essas ideias?
Ducasse: Precisamos preservar os recursos do planeta. Nesse sentido, recuso-me a usar atum, pois está em risco de extinção. Sou muito exigente no quesito sustentabilidade. Também busco usar ingredientes orgânicos nas minhas casas, preocupo-me com a origem dos alimentos. Mas não comecei a fazer isso ontem, são práticas que acredito e emprego há 25 anos.
Foto: Bruno Zanardo / Fotoarena
'Queremos que esses jovens cozinheiros brasileiros expressem a natureza fantástica de seu País', exalta Ducasse, defendendo a importância da formação gastronômica
iG: Esse ano o senhor fez uma revolução no cardápio de seu restaurante em Paris, chamando de quintessência da cozinha. Quais foram essas mudanças e o que elas representam?
Ducasse: Quando desenvolvo um prato, me pergunto o que vou tirar e não o que eu vou colocar. Tudo que é demais vai contra o bem do planeta. Desta forma, na nova cozinha do Alain Ducasse de Paris uso apenas três elementos numa receita. Fazendo uma analogia com a gramática, um prato perfeito só precisa de um verbo, de um sujeito e um complemento. Como um pato com nabo servido com molho: o pato seria o verbo, o nabo o sujeito e o molho o complemento, o elo. Não precisa mais que isso. Mas claro, nesse caso, a excelência se revela na supremacia do ingrediente elevado à máxima potência e na precisão da técnica.
iG: Isso teria um pouco a ver com sua preferência pela cozinha mediterrânea, que o senhor chama de “cozinha do essencial”?
Ducasse: Nasci no Sul da França e por isso, para mim, a cozinha mediterrânea, regada ao azeite de oliva, tem tudo que se precisa, variedade de legumes, pouca proteína animal, muito peixe. Ela é essencial na sua simplicidade.
iG: Em 2000, o senhor foi considerado o chef número 1 do mundo. Como é continuar no topo sem se deixar levar pelas modas culinárias e pela concorrência da cozinha tecnoemocional?
Ducasse: Eu tenho 27 restaurantes no mundo e o Ferran Adrià tem um que abre seis meses por ano e serve 50 couverts. É inegável o talento de Adrià e suas inovações, mas sua cozinha é experimental. Por outro lado, visitei cerca de sete restaurantes de vanguarda nas férias e em cinco deles vi praticamente as mesmas técnicas, como as já batidas espumas. Os equipamentos são importantes, mas não são fundamentais para o progresso da cozinha. O mais importante é o prazer que proporciona um prato, o sabor.
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